segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Artigo do camarada e amigo Thiagão sobre racismo contra o goleiro Aranha do Santos

Racismo no Futebol Brasileiro

Por Thiagão Barros

A noite de 18/09/2014 foi marcante para Aranha jogador do Santos Futebol Clube: ele esperava piamente outra recepção da torcida gremista, sob vaias e xingamentos o jogador voltou para o Estádio do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, local onde foi vítima de cânticos e ofensas racistas da torcida gremista.

O caso

No dia 28 de agosto, na primeira partida entre Grêmio e Santos pela Copa do Brasil, o goleiro foi alvo de uma chuva de ofensas racistas pela torcida gremista. Claramente revoltado, o jogador revidava à torcida aos berros o seu orgulho de ser negro. O fato passaria sem grandes proporções se não fosse uma câmera de TV flagrar a torcedora gremista Patrícia Moreira gritar “Macaco”. O vídeo logo se tornou um viral e gerou grande revolta nas redes sociais. O jogador, ao saber da repercussão, resolveu fazer um boletim de ocorrência.




A mídia burguesa

Em uma decisão até então inédita, mas não eficaz, o STDJ (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) excluiu o Grêmio da Copa do Brasil por racismo. Os torcedores gremistas flagrados gritando ofensas racistas foram intimados a depôr na policia sob acusação de ato de “injuria racial”. Patrícia Moreira, a garota flagrada no vídeo visto pelo mundo inteiro, dizia chorando em uma coletiva de impressa: "Aquela palavra macaco não foi racismo de minha parte, foi no calor do jogo, o Grêmio estava perdendo". Resumindo: ela se desculpava por ter tirado seu time de coração do campeonato, e não pelo racismo que até hoje não admite.

A imprensa se articulou para fazer o encontro entre Aranha e Patrícia Moreira: a garota pediria perdão e o goleiro aceitaria. Tudo certo e resolvido com uma saída burguesa para o problema. Só que Aranha surpreendeu a todos e foi forte em suas posições, negando-se a encontrar a torcedora. A partir daí a todo custo a impressa capitalista tenta inverter os papeis e o jogador começou a ser questionado por não dar o direito cristão ao perdão.

Racismo no Futebol

Este é um ano diferente; o racismo sempre existiu no futebol, mas jogadores se posicionarem sobre o assunto é novidade. Após as jornadas de junho, os jogadores brasileiros têm questionado diversos âmbitos do esporte: este ano o jogador Neymar lançou a campanha “somos todos macacos” após Daniel Alves lateral do Barcelona comer uma banana jogada no campo pela torcida adversaria.

O caso ganhou grande repercussão porque a saída dada pelo jogador foi a resposta comum que esta sociedade doentia nos ensinou: engolir o racismo e continuar a vida assim mesmo. Hoje, Aranha está sozinho: não existe campanha e nem apoio dos colegas de trabalho; ele foi longe demais para a classe dominante: fazer um boletim de ocorrência, outros já fizeram; mas se negar ao encontro com a torcedora que implora por perdão e exigir punição da mesma é dizer que este é um pais racista e que o que aconteceu no estádio do Grêmio não foi um fato isolado, como afirmam todos.

Pelé, ao falar sobe o assunto, disse o absurdo: “O Aranha se precipitou um pouco em querer brigar com a torcida. Se eu fosse parar o jogo cada vez que me chamassem de macaco ou crioulo, todo jogo teria que parar de jogar futebol.” Esta claro que o rei do futebol não defende a maioria negra que sofre diariamente com o racismo no dia-a-dia, foi e continua sendo um fantoche nas mãos dos capitalistas. Nos anos 70 apoiava a ditadura. Este ano chegou a pedir para que as manifestações parassem durante a Copa do Mundo

A história nos ensinou que existem dois tipos de negros: os que defendem os interesses da classe dominante, como Obama, e os que defendem o a classe explorada, como Malcolm X. Com certeza Pelé se encontra na primeira opção.

Democracia Racial?

No Brasil existem duas leis para tipificar o crime de racismo: Injuria Racial (artigo 140, § 3º do Código Penal Brasileiro) e Racismo (Lei 7.716/89). O primeiro é aplicado quando há ofensas e o acusado pode responder em liberdade e tem pena de 1 a 3 anos de prisão, prescritível em 8 anos. Já o segundo, que se aplica quando se tem a conduta de impedir ou negar direitos a negros ou estrangeiros, é inafiançável e pode-se pegar de 2 a 5 anos de reclusão . Os torcedores gremistas estão respondendo processo por injuria racial. Já o Grêmio foi eliminado por Racismo, o que abre uma brecha para que o time reverta a pena alegando que não pode ser punido por crime distinto.

A existência de duas leis para tipificar o crime de racismo e a toda politica da mídia burguesa de pressionar o goleiro para forçá-lo a perdoar e encontrar a torcedora gremista é porque a classe dominante não pode permitir que negros se rebelem contra o racismo. Historicamente, a burguesia brasileria criou o mito da “democracia racial”, ou seja, de que não existiria racismo, quando muito “injurias” e “ofensas”, como aprendemos neste caso.

No final, Aranha está isolado e a pressão é cada vez mais forte. Com os papeis se invertendo, o desfecho fica mais óbvio: os racistas estarão livres de processo; em pouco tempo o Grêmio poderá obter a reversão de sua condenação pelo tribunal de justiça desportiva e o negro discriminado continuará sendo discriminado. Um filme que nunca tem fim nesse Brasil da falsa "democracia racial".


domingo, 21 de setembro de 2014

Contribuição do camarada e amigo Daniel Alfonso para o blog

Reproduzo abaixo contribuição do camarada e amigo Daniel Alfonso.

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   Há quase um ano do lançamento do livro Questão Negra, Marxismo e Classe Operário no Brasil – que esgotou sua primeira edição em poucos meses, sendo necessária uma reimpressão nos primeiros meses deste ano – publicamos, desta vez neste neste novo blog do amigo Daniel Matos, um dos curtos textos que utilizamos na divulgação do grande lançamento do livro. Em tempos de eleições burguesas, onde mais uma vez os interesses dos negros são esquecidos, e num momento em que é necessário levantar a cabeça contra os ataques à classe trabalhadora e ao povo, temos muito que aprender com a história de resistência do povo negro.
Este texto é dedicado a Mike Brown.

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Um pouco sobre identidade negra e luta de classes

Daniel Alfonso

A seguir reproduzimos um trecho de comentário do conde inglês Francis de Castelnau, sobre o ritual de celebração de um rei do Congo em Sabará, Minas Gerais, em 1843:

Uma coisa digna de nota é que o rei tinha uma máscara preta, como se tivesse um medo terrível de que a permanência neste país fosse desbotar sua cor natural. A corte, cujos trajes misturavam todas as cores em enfeites extravagantes, estava sentada dos dois lados do rei e da rainha; então veio uma infinidade de outros personagens, entre os quais os mais consideráveis eram sem dúvida grandes capitães, guerreiros famosos ou embaixadores de autoridades distantes, todos paramentados no estilo dos índios brasileiros, com grandes cocares de penas na cabeça, sabres de cavalaria ao lado e escudo nos braços. (...)*

O trecho ressaltado por nós é muito significativo. Para o conde, não fazia sentido algum um negro usar uma máscara negra. Nós, assim como Kiddy, não sabemos o motivo exato que levou o negro a usar a máscara; porém, podemos dar atenção àquilo que significava para o conde. O que salta aos olhos é a maneira com a qual o conde menciona o feito. 

Certamente lhe causava repulsa um negro usar uma máscara que não alterasse aquilo que o conde considerava seu semblante. A perplexidade do conde e seu racismo abjeto expressam também um medo terrível compartilhado por toda a elite colonial, imperial, e o que veio a ser a burguesia brasileira: pavor de que negros e negras reafirmassem sua identidade e sua força na história, no embate entre as classes. A elite nacional vivia às custas da escravidão, mas fazia todo o possível para que as cores negras desbotassem politicamente. Negras e negros, felizmente, não permitiram. 

As edições Iskra lançam neste mês o livro Questão Negra, Marxismo e Classe Operária no Brasil. É uma contribuição pequena, mas fundamental, sobre alguns aspectos da influência da resistência negra e escrava na formação do Estado brasileiro, na delimitação dos limites políticos e ideológicos do que veio a ser a burguesia brasileira. Mas também é uma importante contribuição para que o papel do povo negro nos principais fenômenos da luta de classes seja entendido profundamente. Os negros e negras foram linha de frente de todos os processos agudos de luta de classes no Brasil, mas infelizmente pouco se debate sobre o tema e, pior, pouco esforço é despendido na tentativa de enxergar criticamente o papel das direções políticas desses processos em relação à questão negra no Brasil. 

Do nosso ponto de vista, o entendimento das raízes negras do estado brasileiro, dos limites estruturais da burguesia brasileira para responder às demandas do povo negro, e a luta por uma perspectiva de independência de classe são alguns aspectos fundamentais para que classe operária, que é majoritariamente negra no Brasil, possa, em luta ferrenha com o imperialismo e a burguesia lacaia, conquiste hegemonia sobre o conjunto da população pobre e oprimida. Nesse processo, os negros, reafirmando sua identidade, estão convocados a ser linha de frente.


* Trecho de Francis de Castelnau. Elizabeth W. Kiddy, Quem é o rei do Congo? Um novo olhar sobre os reis africanos e afro-brasileiros no Brasil. In: Diáspora negra no Brasil. Heywood, M. linda (org), Editora Contexto, 2008. (Grifos nossos)


sábado, 20 de setembro de 2014

Diálogo sobre a greve dos trabalhadores da USP e as eleições

Canteiro de obras no Butantã. Meio-fio. Rádio chiando. Abre a marmita fria. Ovo com arroz e feijão. Cheiro gostoso.

– Me dá um pedaço do seu torresmo?

No rádio Dilma diz que Marina vai acabar com o Bolsa Família.

– Cê acredita nisso?
– Sei lá. Essa Dilma também num me desce. Mas vai que essa Marina tira até o pouco que agente tem.

Silêncio.

– Viu que acabou a greve na USP?
– Vi. Tenho um vizinho que trabalha lá. Tava feliz da vida. Comemorando.
– Agente tinha que fazer igual a eles. Esse ano o aumento foi bem menor que no ano passado. Como é que eles fizeram pra ganhar?
– São muito unidos. E têm um sindicato que tá do lado deles. Pra tudo eles tem reunião, assembleia.

No rádio Aécio Neves diz que sua prioridade vai ser a educação.

– Aff. É sempre a mesma história.
– Meu vizinho disse que a greve deles não era só pelo salário. Que era por saúde e educação também.
– É? Como? Eu vi mesmo o governador na TV falando não sei o que pra eles sobre o hospital lá da USP.
– Não sei. Parece que tavam tentando privatizar a universidade e o hospital e a greve era pra impedir isso também.

No rádio Marina Silva diz que representa o desejo de mudança das manifestações de junho de 2013.

– Eita. Essa mentira passa longe dos protestos. O que parece com aqueles protestos é isso aí que cê tá falando. Já pensou? Várias greves juntas pra conseguir a melhoria dos salários, da saúde, da educação?
– É. Mas pra agente poder fazer parte disso tem que expulsar esses pelegos do nosso sindicato e fazer igual eles lá na USP.

No rádio Zé Maria defende o fim do pagamento da dívida pública para investir em saúde e educação e um governo dos trabalhadores sem patrões.

– Esse aí não tem nenhuma chance de ganhar. Ele não diz que pra isso tem ser pelo caminho dos trabalhadores da USP. Mas vou votar nele porque ele fala contra os patrões.
– Se esse Brandão lá do sindicato da USP fosse candidato eu votava nele.
– Opa. Aí sim.
– Eles me chamaram pra ir na casa do meu vizinho. Querem fundar um movimento pra fazer igual fizeram na USP em vários lugares. Pra ir além.

Toca a sirene do final do almoço.

– É? Mas eles querem ser políticos?
– Eu não entendi direito. Parece que é um tipo de política diferente. Eles dizem que o hospital e as escolas sejam controlados pelos funcionários junto com agente da comunidade.
– Och...
– Dizem que a sociedade funcione igual eles funcionaram na greve. Agente elege o representante numa assembleia, e se ele não servir derruba e elege outro. E todo representante teria que receber o salário igual ao de um professor.

O rádio desliga e a estaca começa a bater.

– Eu queria ir com você. Se num tiver problema. Acho que minha esposa vai querer ir também. Lá na fábrica que ela trabalha tão querendo demitir muita gente. O pessoal tá puto e quer lutar.

Um grito à distância pergunta:

– Como é que chama esse movimento?
– É... ele me disse... Acho que chama Movimento Nossa Classe.



sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O debate sobre a débil “governabilidade” de Marina Silva

Um eventual governo de Marina terá, a princípio, débil base de sustentação no Congresso. Os “superpoderes” da instituição presidencial e o lobby empresarial minimizarão essa debilidade. Mas são as divergências sobre como lidar com a crise econômica, a disputa eleitoral antecipada por 2018 e os movimentos sociais que darão a palavra final.

Muito se especula sobre a fragilidade de um governo apoiado num partido pequeno e numa coligação fraca. Ainda mais frente aos compromissos (demagógicos?) de Marina de rejeitar alianças com parte das oligarquias da “velha política” que tem cumprido um papel essencial na sustentação de todos os governos sabe-se lá desde quando. O PT também não predestinava que terminaria tão abraçado configuras “pouco modernas” como José Sarney ou Renan Calheiros. Marina sabe que não tem chances no segundo turno se não aceitar o apoio de Serra, Fernando Henrique Cardoso, Alckimin (Opus Dei) e se esse se dispor inclusive de Aécio. Para governar, seu vice candidato já anunciou que não pretende governar sem as “raposas velhas” do PMBD.

A dependência estrutural do poder central em relação às oligarquias regionais 

Afora a propaganda enganosa, a verdade é que o sistema político brasileiro foi construído para reproduzir um nível mínimo de dependência entre o “velho” e o “novo”. Já nas origens da “democracia” atual, para limitar o peso político do poderoso proletariado que construiu o PT nas antípodas da ditadura, as oligarquias regionais que dominam os estados mantiveram uma representação completamente desproporcional no Congresso. Parte do pacto de transição “lenta, gradual e segura” entre os militares e a burguesia opositora delegou mais poder econômico aos governadores para afastar o PT do poder.  O resultado a perda da autonomia do governo central para controlar a espiral inflacionária dos anos 80.

Em 1994, o salto de subordinação ao capital financeiro internacional que permitiu a estabilização da moeda esteve associado a um profundo processo de reconcentração do poder econômico nas mãos do governo federal. Com a chamada “Lei de responsabilidade fiscal”, que foi negociada em troca das polpudas privatizações que geraram uma “nova burguesia”, os governadores não puderam mais endividar-se a seu bel prazer. Reforçou-se o mecanismo já antigo através do qual as oligarquias de cada estado, para viabilizar serviços e obras públicas, passaram a depender cada vez mais da “boa vontade” do governo central, trocando verbas orçamentárias por apoio político.

Essa foi a base sobre a qual o PMDB, uma das maiores bancadas do Congresso, seguiu sendo um partido de oligarquias regionais essencial ao exercício do poder para um que estivesse às frente do governo federal.



A corrupção institucional do Poder Executivo e do Congresso

O mercado financeiro internacional e os grandes monopólios capitalistas exercem seu domínio diretamente através do Executivo e do lobby sobre o Congresso. A “reserva de poder” dos investidores se expressa no ordenamento econômico feito para garantir que 44% dos recursos públicos sejam destinados ao pagamento de juros e amortizações para não mais que 20 mil detentores da dívida. O poder dos monopólios se expressa nos bilionários contratos de prestação de serviços, nos bondosos subsídios fiscais, nas caridosas facilidades creditícias e nas reservas de mercado. Tudo em troca de polpudos recursos para as campanhas eleitorais, quando não malas voadoras de dinheiro ou dólares escondidos na cueca.

A mágica das coligações que crescem como fungos

Essa combinação da dependência entre o Executivo e as oligarquias regionais por um lado e o poder de “centralização” dos cifrões empresários por outro é o que viabiliza a criação de coligações tão amplas de forma tão fortuita.

Para governar para os capitalistas, gerenciar seus negócios, o PT aceitou subordinar-se a essas regras do jogo. No início do governo Lula, o PT tentou prescindir do PMDB e governar com partidos secundários que orbitam entre as grandes legendas (PT, PSDB e PMDB). Para tal, precisou de mecanismos um pouco mais explícitos que o normal para corromper os deputados e senadores. Mas fracassou. O resultado foi a crise do que entrou para a história como escândalo do “mensalão”.

Para impedir que as alas mais raivosas da oposição burguesa tentassem um impeachment de Lula que desestabilizasse o país obrigando a CUT a mobilizar os sindicatos, o grande capital disciplinou-as para que não buscassem soluções extremas.  O PT, por sua vez, passou a incorporar o PMDB como aliado privilegiado, com tudo que isso implica em relação à convivência com os Sarneys e Renans da vida.

Esse mecanismo de mediação entre as distintas frações dominantes por um lado e a pressão das massas exploradas e oprimidas por outro faz com que o presidente atue como uma espécie de “árbitro” dos interesses em disputa, onde o grande capital atua de forma “transversal” nos distintos partidos.

A verdadeira fonte de dúvidas

Essa estrutura do regime permite que as classes dominantes tenham dúvidas – mas não pânico – frente à “governabilidade” diante de um eventual triunfo de Marina. A grande preocupação é que, diferentemente de quando houve a crise do mensalão, o país não se encontra nos prelúdios de um excepcional ciclo de crescimento dos negócios, e sim segurando o freio numa descida acentuada, com curvas incertas que podem dar lugar a uma forte crise econômica.

Diferentemente do auge do lulismo, quando o governo central exercia uma força centrípeta e as forças de oposição pareciam que iriam desaparecer, trata-se de um cenário muito mais difícil para obter hegemonia e soldar alianças. Seguramente haverá uma disputa entre os grandes pesos pesados da burguesia para ver quem vai perder menos com a política econômica adotada pelo governo. E os partidos se apoiarão nessas disputas buscando uma localização melhor para as eleições de 2018.

Não será fácil fazer com que as massas que veem de fortalecer-se com as manifestações de junho do ano passado – que mostrou a crise de representatividade dos partidos e dos governos – e uma histórica onda de greves aceitem passivamente tarifaços, inflação, desemprego, retirada de direitos trabalhistas e cortes nos gastos sociais. Para descarregar os custos da crise sobre as costas dos trabalhadores, Marina não contará com a relação orgânica que o PT tem com os sindicatos e movimentos sociais. Não está claro que consequências vai ter para esses setores uma eventual derrota de Dilma.

Seja qual for o candidato que vença, dará a um governo mais débil do que foram os do PT ou do PSDB. Essas são as verdadeiras dúvidas que pairam sobre a “governabilidade” de Marina Silva.

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Entre o fim do lulismo e a ameaça de uma direita renovada

Na disputa entre Dilma e Marina estão em jogo: a) a deterioração das bases econômicas que melhoraram as condições de vida dos brasileiros nos últimos anos; b) o choque entre as aspirações engendradas pelo lulismo e os limites impostos pelos problemas estruturais do país; e c) os elementos de crise de representatividade que explodiram em junho do ano passado.

Lulismo em declínio lento, mas sustentado

O ciclo de crescimento associado ao lulismo se baseou no fluxo excepcional de capitais estrangeiros e na enorme demanda de commodities por parte da China, que permitiram um impulso ao mercado interno. Entretanto, na medida em que a produtividade industrial não acompanhou o crescimento da demanda externa e interna, agravaram-se problemas estruturais do país.

A dependência em relação às importações e ao capital estrangeiro aumentou vertiginosamente, fazendo do real uma das moedas mais voláteis aos fluxos de capital internacional. A débil taxa de investimento e a oscilação dos preços internacionais promovem persistentes pressões inflacionárias. Os níveis de endividamento das famílias e das empresas passaram a comprometer cada vez mais o consumo. O mecanismo de elevação dos juros para conter a inflação e atrair capital externo piora ainda mais a situação.

É nesse marco que o empresariado vem se mostrando avesso a novos investimentos e as estatísticas mostram uma economia praticamente estagnada, com tendências recessivas. O desemprego começa a subir, principalmente na indústria. E o clima de estabilidade e melhoria gradual do lulismo se encontra em transição para um ambiente de maior preocupação. Não há mais espaço para o ufanismo de outrora.

Junho de 2013 como um primeiro choque entre o passado e o futuro

As centenas de milhares de pessoas que saíram às ruas no ano passado ainda não sentiam esse clima de maior exasperação pelo declínio da economia. A inflação já se fazia sentir. Mas o emprego e o consumo se mantinham em alta.

A explicação mais plausível para aquela explosão social é buscada em um “querer mais”, expresso na demanda por mais direitos sociais, como transporte, saúde, educação e moradia. As aspirações criadas pelo “gradualismo lulista” e pela propaganda de “grandes avanços sociais” se chocaram com os limites de um orçamento público que destina 44% para juros e amortizações das dívidas com o mercado financeiro.

A dívida pública transformou-se em um instrumento fundamental para atrair capital estrangeiro e gerar alto rendimento para os detentores dos títulos. A consequência é a falta estrutural de recursos para que se tenha serviços públicos gratuitos e de qualidade ou obras públicas que resolvam as necessidades mais essenciais da população mais pobre.

A onda de greves como um segundo choque entre o velho e o novo

O mês de maio de 2014 foi o ponto mais alto de um ciclo ascendente de greves desde 2011, quando mais de 100 mil operários da construção civil paralisaram suas atividades por todo o país por melhorias salariais. Gigantescas obras de hidrelétricas e polos petroquímicos que reuniam dezenas de milhares de operários passaram a viver verdadeiras rebeliões contra as condições subumanas de trabalho.

Depois foram os petroleiros que tentaram barrar a privatização da Bacia de Libra do pré-Sal. Os professores do Rio de Janeiro que fizeram atos de 50 mil. Os garis que pararam essa “cidade maravilhosa” em pleno carnaval e obtiveram enormes conquistas. Os rodoviários que paralisaram os principais centros urbanos do país. Os metroviários de São Paulo que ameaçaram a abertura da Copa. E a greve dos trabalhadores das universidades estaduais paulistas, que já dura quase quatro meses e atravessa a conjuntura eleitoral.

De conjunto, esse processo colocou em evidência o que os analistas passaram a chamar de “crise do regime sindical”, devido às várias rebeliões das bases contra suas direções, especialmente em serviços públicos que quando paralisados ganham ampla repercussão midiática. Particularmente a greve dos trabalhadores da Universidade São Paulo, ao contar com uma direção democrática, combativa e não corporativa, permitiu com que os trabalhadores dessem um passo a mais em seu nível de consciência. Eles criaram um organismo dirigente com representantes revogáveis eleitos nos locais de trabalho e ligaram a luta salarial com a defesa da educação e da saúde frente aos ataques privatizadores.



Os desdobramentos paradoxais da crise de representação

Em meio às jornadas de junho, viu-se uma queda vertiginosa da popularidade de todos os governos do país em nível federal, estadual e municipal, mostrando que todos os partidos foram atingidos pelo grito de “não nos representam”. A ausência de uma alternativa política pela esquerda, os restos do ciclo de crescimento que finda, os discursos demagógicos e as medidas cosméticas permitiram que o regime se recompusesse.

Hoje, ao ser Marina o fenômeno mais dinâmico da disputa eleitoral, a crise de representação se expressa numa candidatura que defende, com uma cara renovada, valores neoliberais e obscurantistas da velha direita. Ou seja, justamente o oposto dos direitos econômicos, sociais e democráticos que emergem das ruas de junho e das greves. Essa contradição expressa, em primeiro lugar, os próprios limites de junho. Pois é um resultado da falta de uma direção política capaz de articular um programa político, econômico e social com uma saída dos trabalhadores para as demandas mais sentidas do país.

Mas, por outro lado, também expressa os limites e dificuldades dos partidos dominantes para estabilizar e recompor o sistema político. Seja qual for o candidato que vença, o país passará por um período de ajustes. Governos e patrões buscaram descarregar os custos da crise sobre as costas dos trabalhadores para preservar seus lucros e aumentar a “competitividade” do capitalismo brasileiro. Entretanto, para tal, terão que derrotar as aspirações dos jovens que saíram às ruas por mais direitos sociais, e terão que derrotar o processo de recomposição da classe trabalhadora como sujeito de luta.

Tudo indica que o PSDB será o principal derrotado, colocando em xeque este que tem sido um dos três principais partidos do regime político. Caso Dilma perca, se abrirá uma dura disputa interna ao PT por quem arcará com a derrota, com todas as consequências de uma “readequação” após 12 anos no controle de uma enorme máquina burocrática estatal. A governabilidade de quem ganhar será ainda mais crítica já que não contará com grandes partidos “unitários” para negociar e dar base real de sustentação.

Por trás do “voto” útil em Dilma como um “mal menor” contra Aécio ou Marina, assim como por trás da desconfiança ou descrédito dos que pretendem “dar uma chance” a Marina, se escondem as inquietações que levaram às jornadas de junho de 2013. Desse mesmo lugar podem surgir as forças que farão dessas eleições apenas o prelúdio de novos embates da luta de classes.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Marina Silva cresce, mas permanece incerta sua sustentação

As pesquisas eleitorais mais recentes mostram Marina Silva ascendendo a 29% das intensões de voto no primeiro turno, enquanto Aécio Neves fica estacionado em 19% e Dilma caiu 38% para 34%. No segundo turno, Marina ameaça ganhar com 45%, contra 36% de Dilma. Mas são muitas as incertezas que pairam sobre o grau de sustentação que terá essa tendência.

O fenômeno Marina transcende a morte de Campos


Eduardo Campos, candidato a presidente na chapa em que Marina ocupava a posição de vice, não conseguia ultrapassar os 8% nas pesquisas eleitorais. Logo depois de sua morte, as primeiras pesquisas já apontaram Marina Silva com 21% dos votos, tecnicamente empatada com os 20% Aécio Neves, o outro candidato opositor ao governo. Entretanto, muitos analistas consideravam que as intensões de voto em Marina estavam artificialmente infladas por sua alta exposição midiática. Apoiavam-se no fato de que a morte de Eduardo Campos lhe colocou no centro de um tema de grande comoção nacional, e que isso tenderia a refluir.

Corroborava com essa opinião a análise de que Marina não conseguiria “resistir” à competição aberta pelo horário gratuito de TV que ainda estava por começar. Enquanto o PT de Dilma tem onze minutos diariamente e o PSDB de Aécio neves tem quatro, Marina teria apenas dois minutos de exposição.

Ainda que estejamos no início da campanha e tanto Dilma como Aécio ainda não deflagraram uma ofensiva de “desconstrução” da imagem de Marina, a s últimas pesquisas apontam indícios que contrariam essas duas teses. Até agora, Marina retomou – e em certo sentido superou – os patamares eleitorais que tinha nas pesquisas de 2013, quando ainda não estava definido se seria ela ou Eduardo Campos a cabeça de chapa do PSB.

O que está por trás da ascensão de Marina?


A degradação das condições econômicas e o desgaste das instituições e partidos dominantes explicam os primeiros sinais de fadiga da estratégia adotada pela campanha eleitoral de Dilma, que busca apoiar-se nas melhorias das condições de vida dos últimos anos de crescimento econômico. Por mais que os níveis de desemprego permaneçam historicamente baixos, já se começa a sentir os efeitos da crise, com demissões e suspensões de contratos de trabalho em vários ramos da indústria. Por outro lado, os trabalhadores veem sentindo as consequências de uma inflação crescente, sobretudo dos produtos essenciais à classe trabalhadora, e de uma maior dificuldade em obter aumentos salariais.

Para além dos votos que migraram de Dilma e de Aécio, Marina também atraiu os votos brancos, nulos e indecisos, que vinham apresentando índices recordes e caíram vertiginosamente depois que ela entrou na disputa. Dentre esses votos existem tanto setores de classe média que historicamente se constituíram como base social do PSDB como setores de jovens e trabalhadores que votaram no PT nas eleições anteriores. São setores que por agora acreditam no discurso da “nova política” propagado pela candidata ou a veem como um “mal menor” diante do PT ou do PSDB. Aparentemente, esse é um resultado de sua trajetória política, combinada com sua origem humilde, que aparece para as massas como digna de confiança e faz com que alguns analistas a chamem de “Lula de saias”.

Por mais que Aécio Neves tente se mostrar como também portador de uma “nova política”, por mais que tente esconder a prática privatista e antipopular pela qual historicamente é conhecido o PSDB, este tem mostrado mais dificuldade para capitalizar o descontentamento com o PT entre jovens e trabalhadores, seja pelo seu perfil empresário ou pela trajetória do seu partido. Dentre os níveis de rejeição expressos nas pesquisas, que indicam o potencial de crescimento de cada candidato, Marina apresenta 10%, contra 18% de Aécio e 36% de Dilma.

O potencial que a candidatura de Marina Silva tem mostrado até agora se apoia na sua capacidade de atrair um voto que transcende a base histórica do PSDB no primeiro turno e, num segundo turno, atrai os votos do eleitorado mais à direita que tradicionalmente apoia os tucanos. As pesquisas indicam que Aécio não teria a mesma capacidade de atrair os votos de seus adversários.  

Uma “nova política” cada vez mais velha


Para ganhar a confiança dos grandes empresários e investidores financeiros, já desde as eleições de 2010, Marina defendia as reformas neoliberais das leis trabalhistas e da aposentadoria. Agora, saiu em defesa das bases macroeconômicas assentadas pelo governo Fernando Henrique e continuadas nos governos do PT; e está defendendo a implementação de uma lei que dê maior autonomia ao Banco Central para gerir a política econômica.

Tentando dissipar a imagem de que seu governo, em função de uma suposta defesa do meio ambiente, será disfuncional ao agronegócio, a candidata “verde” tem feito questão afirmar que enquanto foi ministra de Lula viabilizou as licenças ambientais de algumas das obras de maior impacto ecológico.

Em busca de atrair os votos de setores religiosos, que compõem a boa parte dos setores mais pobres da população que foram beneficiados com os programas de assistência social que deram popularidade ao PT, Marina tem defendido posturas abertamente reacionárias em relação a questões democráticas elementares como o direito ao aborto, o casamento homossexual e a legalização da maconha.

Com o intuito de mostrar-se como um governo “viável”, Marina tem explicado que sua “nova politica” incluirá os “melhores quadros” tanto do PSDB como do PT, incluindo figuras tão pouco “novas” como o ex candidato a presidente e ex-governador de São Paulo, José Serra.

Ou seja, aspectos chaves do próprio discurso de Marina se contradizem com a imagem que ela tenta vender como portadora de uma “nova forma de fazer política”, podendo levar ao afastamento de setores que num primeiro momento depositaram nela a expectativa de uma “terceira via”. Já no primeiro debate televisivo entre os candidatos essa realidade se evidenciou, pois o principal “fenômeno” de internet durante o mesmo não foi Marina e sim Eduardo Jorge, do Partido Verde, que defendeu o direito ao aborto e a legalização da maconha.

Longe de estar consolidada, a atual trajetória ascendente de Marina Silva está repleta de incógnitas. A “flexibilidade” dos votos que ela atrai, vindo tanto de setores petistas como tucanos, é também sua maior debilidade, já que são votos “fluidos”, que podem migrar novamente frente aos embates da campanha. Nas próximas semanas verificaremos sua capacidade de resistir ao esforço de “desconstrução” de sua imagem que será feito tanto pelo PSDB como pelo PT.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Um estudo marxista do processo da luta de classes que deu lugar ao golpe de 1964



No link abaixo pode-se ler o artigo que escrevi com o camarada e amigo Edison Salles sobre o processo da luta de classes que deu lugar ao golpe de 64. Neste, analisamos o profundo processo de luta no campo que permitiu o surgimento das Ligas Camponesas (história essa que está por trás do filme que dá nome ao blog). Analisamos a rebelião nas bases das forças armadas - em especial entre os marinheiros, quase todos negros - que não poucos fizeram analogias com o Encouraçado Potemkin da Revolução Russa. E analisamos o processo de ascenso do movimento operário que não se ligou a esses dois anteriores para dirigir uma revolução socialista no país pela política traidora do PCB.    

http://www.ler-qi.org/O-processo-revolucionario-que-culmina-no-golpe-de-64-e-as-bases-para-a-construcao-de-um-partido-revolucionario-no-Brasil,288

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

A noção de tática e estratégia em Trotsky

"A ideia de uma estratégia revolucionária se consolidou nos anos do pós-guerra. A princípio, indubitavelmente, graças à afluência da terminologia militar, mas não por puro azar. Antes da guerra não havíamos falado mais da tática do partido proletário; e esta concepção correspondia com exatidão suficiente aos métodos parlamentares e sindicais, e que não saíam do marco das reivindicações e das tarefas correntes. A tática se limita a um sistema de medidas relativas a um problema particular de atualidade ou a um domínio determinado da luta de classes, enquanto que a estratégia revolucionária se estende a um sistema combinado de ações que, em sua relação, em sua sucessão e em seu desenvolvimento, devem levar o proletariado à conquista do poder". (L. Trotsky, "Stalin, o grande organizador de derrotas - A internacional depois de Lênin", capítulo "A estratégia e a tática na época imperialista", El Yunque Editora, p. 144-45)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Noção de tática e estratégia em Clausewitz

"A condução da guerra é pois a ordem e a condução do combate. Se o combate consistisse numa só ação, qualquer divisão suplementar não teria nenhum sentido. Mas o combate consiste num maior ou menor número de ações distintas que formam um todo e a que se chamam recontros (...). Foi isso que deu origem a essa atividade completamente diferente que consiste em ordenar e dirigir esses recontros distintos, em seguida a coordená-los entre si com vista à guerra. A uma chamou-se tática, à outra estratégia. (...) Segundo a nossa classificação, a tática é pois a teoria relativa à utilização das forças armadas no recontro. A estratégia é a teoria relativa à utilização dos recontros a serviço da guerra. (...) A estratégia é a utilização do recontro para atingir a finalidade da guerra. Para falar em termos exatos, ela só se ocupa do recontro, mas a sua teoria nas suas considerações deve integrar o agente dessa atividade específica, isto é, as forças armadas em si mesmas e as suas principais relações, sendo o recontro determinado por elas e exercendo sobre elas os seus efeitos imediatos. O próprio recontro deve ser estudado sob o ângulo das forças morais e intelectuais que utiliza. Ela [a estratégia] tem pois que fixar uma finalidade para o conjunto do ato de guerra que corresponda ao objetivo da guerra. Quer dizer: estabelece o plano de guerra e determina em função do objetivo em questão uma série de ações que a ele conduzem; elabora portanto os planos das diferentes campanhas e organiza os diferentes recontros. (...) A teoria seguirá pois a estratégia na elaboração desse plano, mais precisamente tornará as coisas mais claras em si próprias e em função de suas relações recíprocas, acentuando os poucos princípios e regras que daí resultam. (...) O plano de guerra engloba o ato de guerra total, que graças a ele se torna uma operação única, com um só objetivo final definido, e no qual todos os objetivos particulares se fundiram".  (Clausewitz, “Da Guerra”, Editora Martins Fontes; p. 92, 93, 171, 173).