Reproduzo abaixo contribuição do camarada e amigo Daniel Alfonso.
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Há quase um ano do lançamento do livro
Questão Negra, Marxismo e Classe Operário no Brasil – que esgotou sua primeira
edição em poucos meses, sendo necessária uma reimpressão nos primeiros meses
deste ano – publicamos, desta vez neste neste novo blog do amigo Daniel Matos,
um dos curtos textos que utilizamos na divulgação do grande lançamento do
livro. Em tempos de eleições burguesas, onde mais uma vez os interesses dos
negros são esquecidos, e num momento em que é necessário levantar a cabeça
contra os ataques à classe trabalhadora e ao povo, temos muito que aprender com
a história de resistência do povo negro.
Este texto é dedicado
a Mike Brown.
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Um pouco sobre identidade negra e luta de classes
Daniel Alfonso
A seguir reproduzimos um trecho de comentário do
conde inglês Francis de Castelnau, sobre o ritual de celebração de um rei do
Congo em Sabará, Minas Gerais, em 1843:
Uma coisa digna de nota é que o rei tinha uma máscara preta, como se tivesse um medo terrível de que a permanência neste país fosse desbotar sua cor natural. A corte, cujos trajes misturavam todas as cores em enfeites extravagantes, estava sentada dos dois lados do rei e da rainha; então veio uma infinidade de outros personagens, entre os quais os mais consideráveis eram sem dúvida grandes capitães, guerreiros famosos ou embaixadores de autoridades distantes, todos paramentados no estilo dos índios brasileiros, com grandes cocares de penas na cabeça, sabres de cavalaria ao lado e escudo nos braços. (...)*
Uma coisa digna de nota é que o rei tinha uma máscara preta, como se tivesse um medo terrível de que a permanência neste país fosse desbotar sua cor natural. A corte, cujos trajes misturavam todas as cores em enfeites extravagantes, estava sentada dos dois lados do rei e da rainha; então veio uma infinidade de outros personagens, entre os quais os mais consideráveis eram sem dúvida grandes capitães, guerreiros famosos ou embaixadores de autoridades distantes, todos paramentados no estilo dos índios brasileiros, com grandes cocares de penas na cabeça, sabres de cavalaria ao lado e escudo nos braços. (...)*
O trecho ressaltado por nós é muito significativo.
Para o conde, não fazia sentido algum um negro usar uma máscara negra. Nós,
assim como Kiddy, não sabemos o motivo exato que levou o negro a usar a
máscara; porém, podemos dar atenção àquilo que significava para o conde. O que
salta aos olhos é a maneira com a qual o conde menciona o feito.
Certamente lhe causava repulsa um negro usar uma
máscara que não alterasse aquilo que o conde considerava seu semblante. A
perplexidade do conde e seu racismo abjeto expressam também um medo terrível
compartilhado por toda a elite colonial, imperial, e o que veio a ser a
burguesia brasileira: pavor de que negros e negras reafirmassem sua identidade
e sua força na história, no embate entre as classes. A elite nacional vivia às
custas da escravidão, mas fazia todo o possível para que as cores negras
desbotassem politicamente. Negras e negros, felizmente, não permitiram.
As edições Iskra lançam neste mês o livro Questão
Negra, Marxismo e Classe Operária no Brasil. É uma contribuição pequena,
mas fundamental, sobre alguns aspectos da influência da resistência negra e
escrava na formação do Estado brasileiro, na delimitação dos limites políticos
e ideológicos do que veio a ser a burguesia brasileira. Mas também é uma importante
contribuição para que o papel do povo negro nos principais fenômenos da luta de
classes seja entendido profundamente. Os negros e negras foram linha de frente
de todos os processos agudos de luta de classes no Brasil, mas infelizmente
pouco se debate sobre o tema e, pior, pouco esforço é despendido na tentativa
de enxergar criticamente o papel das direções políticas desses processos em
relação à questão negra no Brasil.
Do nosso ponto de vista, o entendimento das raízes
negras do estado brasileiro, dos limites estruturais da burguesia brasileira
para responder às demandas do povo negro, e a luta por uma perspectiva de
independência de classe são alguns aspectos fundamentais para que classe
operária, que é majoritariamente negra no Brasil, possa, em luta ferrenha com o
imperialismo e a burguesia lacaia, conquiste hegemonia sobre o conjunto da
população pobre e oprimida. Nesse processo, os negros, reafirmando sua
identidade, estão convocados a ser linha de frente.
* Trecho de Francis de Castelnau. Elizabeth W. Kiddy, Quem é o rei do Congo? Um novo olhar sobre os reis africanos e afro-brasileiros no Brasil. In: Diáspora negra no Brasil. Heywood, M. linda (org), Editora Contexto, 2008. (Grifos nossos)
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